Comunicação social<br>Relações entre o poder político e o económico

Vasco Cardoso (Membro da Comissão Política do PCP)
Notícias recentes sobre o envolvimento do Governo num alegado «plano para controlar os órgãos de comunicação social» desviaram por inteiro as atenções sobre os reais problemas que atingem o povo português.

A utilização da comunicação social por parte das classes dominantes (…) é uma constante

O questionamento e responsabilização do Governo PS sobre a situação em que se encontra o País, tal como dos restantes partidos da política de direita (PSD e CDS) que com ele tinham acabado de aprovar Orçamento do Estado, foram substituídos por um carrossel de declarações públicas de onde sobressai a ausência de esclarecimentos por parte do primeiro-ministro e o recurso à estratégia de vitimização por parte do PS.
Sem querer descentrar o debate e a intervenção política dos problemas centrais que nos atingem – crise, desemprego, injustiças, baixos salários e pensões, destruição do aparelho produtivo, dependência, corrupção – sobretudo numa fase em que, a pretexto do défice, se prepara uma nova ofensiva contra os salários, os horários de trabalho, os serviços públicos, a soberania e interesses nacionais, não devemos passar ao lado da gravidade das acusações que recaem sobre o Governo nem de algumas mistificações que têm sido produzidas.

Concentração da propriedade,
ataque a direitos e democracia

Este processo trouxe para a luz do dia aspectos das relações entre o poder económico, o poder político e os órgãos de comunicação social, que confirmam análises que o Partido há muito faz.
Promiscuidade entre o poder político e o poder económico, manipulação da informação e distorção da realidade, informação feita e produzida à medida dos interesses das classes dominantes, utilização das fontes de financiamento no condicionamento da informação, pressão e chantagem sobre os jornalistas são realidades que não apareceram há 15 dias com as manchetes do jornal Sol, nem são um exclusivo do Engenheiro Sócrates e do PS. Elas correspondem, de facto, a uma prática que se tem vindo a acentuar e que não é separável da crescente concentração da propriedade dos órgãos de comunicação social – tal como outros sectores – nas mãos de um punhado de grupos económicos, que precisam da sua influência para determinar uma política favorável aos seus interesses de classe.
Mais do que um «plano» para que o Governo «controle» a comunicação social, aquilo que estas notícias revelam é uma cada vez maior «fusão» entre o poder político e o poder económico, onde ministros, banqueiros, administradores de grandes empresas e altos dirigentes partidários se movimentam em tornos dos mesmos interesses.
É assim que os órgãos de comunicação social assumem cada vez mais um papel determinante na legitimação da política de direita. São fundamentais para criar ambiente e suportar ofensivas contra direitos.
A utilização da comunicação social por parte das classes dominantes, como instrumento de pressão e condicionamento ideológico das massas em função dos seus interesses é uma constante. Seja quando apoiam seja quando contestam um determinado governo. E, unidos no essencial, a vida já se encarregou de demonstrar que, na perspectiva dos grupos económicos, momentos há em que, para manter a mesma política, às vezes é preciso mudar de «artistas»…
Uma outra dimensão deste processo de controlo da comunicação social prende-se com o ataque realizado contra os profissionais da comunicação social, em particular, os jornalistas. Nos últimos anos assistimos a um processo de contínua degradação dos seus direitos, com a desvalorização dos seus salários, o aumento da precariedade, o impedimento da sua acção colectiva dentro das redacções cada vez mais desvalorizadas. Uma profunda transformação nas suas condições de trabalho que, acompanhada de uma fulminante evolução tecnológica, conduziu a uma maior exploração. Neste capítulo, o Governo PS não se limitou a aprovar legislação laboral, como o Código do Trabalho. Foi mais longe com a imposição de um novo Estatuto dos Jornalistas que os fragiliza ainda mais perante o patronato, lei que aliás não foi contestada por muitos dos que agora se agitam em torno destas questões.
Por fim, nós, comunistas, conhecemos como ninguém, aquilo que é ser silenciado, discriminado e caricaturado na comunicação social dominante. Seja no canal do Balsemão (SIC), no jornal do Belmiro (Público), na rádio do Joaquim Oliveira (TSF), o destaque, a manchete, o comentário, a opinião tende a marginalizar, se não mesmo a ignorar, as posições do Partido. Na RTP e RDP, cujo carácter público deve ser defendido e valorizado como principal garantia de pluralismo, a governamentalização destes órgãos há muito que contaminou o seu conteúdo. O anticomunismo tem antena aberta em variadíssimos programas e a exclusão de toda e qualquer linha de pensamento que se aproxime dos ideais de Marx e de Lénine faz lei. Silencia-se o partido dos trabalhadores na exacta medida em que se promovem outras forças políticas. É por isso necessário desconfiar daqueles para quem, antes destas notícias virem a público, não havia problemas no pluralismo, a comunicação social era livre e democrática.
A vida dirá quais serão os desenvolvimentos deste processo que ainda está em curso. Mas uma coisa é certa, a luta por uma comunicação social pluralista e democrática não pode ser conduzida à margem da necessária ruptura com a política de direita.



Mais artigos de: Opinião

A besta de guerra…

Tendo como objectivo o «desenvolvimento» de um «novo» conceito estratégico até ao final de 2010, a NATO concluiu, no final de Fevereiro, a dita fase de «reflexão», iniciando a fase de «consulta» de cada um dos seus membros. Relativamente a Portugal, está anunciada a deslocação, em meados de Março, de elementos do grupo...

O despacho

De há uns tempos a esta parte tenho dado conta de que, seja por causa da idade ou por outros motivos que não são para aqui chamados por poderem remeter para essa coisa tenebrosa que se convencionou chamar de política, está a ser cada vez mais difícil acompanhar as minudências da vida nacional sem ficar com a sensação de...

O grande partido da esquerda democrática

«A melhor defesa é o ataque», devem ter pensado os estrategas do PS que, acossados pela divulgação das investigações a propósito do chamado caso Face Oculta, decidiram passar à ofensiva. Nada melhor do que tocar a reunir as hostes e apelar ao envolvimento dos militantes – «das bases», como se diz no PS.Foi neste contexto...

Pluralidades

Anda para aí um barulho dos diabos a propósito da alegada tentativa de intervenção de altas figuras do PS, entre as quais pontua o Secretário-geral e Primeiro Ministro, para controlar órgãos de Comunicação Social. Daí até se concluir pela necessidade de garantir a independência dos órgãos de comunicação social públicos e...

Censura cirúrgica

Numa situação em que a quase totalidade dos média é propriedade do grande capital, é óbvio que a «liberdade de expressão e informação» que a Constituição da República Portuguesa consagra, não passa de uma bela frase...O capital investe nos média com o mesmo objectivo com que investe em qualquer outra área, sendo que,...